Glaucoma Primário de Ângulo Aberto
O glaucoma é uma das principais causas de deficiência visual e cegueira irreversível no mundo. Observa-se comumente nos pacientes com glaucoma dano ao nervo óptico com aumento da escavação papilar, perda de campo visual progressiva devido à perda das células ganglionares da retina e do nervo óptico
O glaucoma primário de ângulo aberto é o tipo de glaucoma mais comum, prevalente em pessoas acima de 40 anos. Inicialmente assintomático. O aparecimento dos sintomas acontece com a progressão da doença, especialmente nas fases mais tardias.
Definição
No glaucoma primário de ângulo aberto, o ângulo iridocorneano, ângulo da câmara anterior, é aberto e ocorre o aumento da pressão intraocular, sem outras doenças associadas.
O humor aquoso é um líquido transparente responsável pela nutrição da córnea, íris e do cristalino. É constantemente produzido pelo corpo ciliar e é excretado pela malha trabecular e pelo canal de Schlemm, localizados no ângulo formado entre a córnea e a íris (ângulo iridocorneano). Há consenso de que a etiologia da pressão intraocular elevada (PIO) se deve à redução do escoamento do humor aquoso, e não à superprodução desse fluido.
Causas estruturais que podem estar associadas a redução do escoamento do humor aquoso:
- Obstrução da malha trabecular
- Perda das células endoteliais trabeculares
- Diminuição da atividade fagocítica das células endoteliais do trabéculo
- Perda dos vacúolos gigantes do canal de Schlemm’s
- Redução do calibre do poro e da densidade da parede do canal de Schlemm’s
No entanto há uma proporção de pacientes que apresentam dano progressivo glaucomatoso mesmo com o controle da PIO e ainda os que apresentam PIO elevada sem danos glaucomatosos, sugerindo a presença de outros mecanismos que possam levar ao dano do nervo óptico como isquemia, perda de fatores neurotróficos, neurotoxicidade e falência dos mecanismos de reparação celular.

Figura 1. Vias de Drenagem do Humor Aquoso de Olhos Saudáveis e Glaucomatosos. Fonte: Weinreb RN, Aung T, Medeiros FA. The pathophysiology and treatment of glaucoma: a review. JAMA. 2014 May 14;311(18):1901-11
Fatores de risco
- Idade mais avançada
- Histórico familiar de glaucoma
- Afrodescendente
- Uso de corticosteroides sistêmicos ou tópicos
- Pressão intraocular elevada
- Miopia
- Espessura corneana
- Presença de algumas comorbidades sistêmicas como Hipertensão arterial sistêmica (HAS) e Diabetes
- Estilo de vida (exercícios físicos e dieta como fatores protetores)
Sintomas
Como dito anteriormente, os pacientes com glaucoma são assintomáticos e os sintomas geralmente aparecem apenas nas fases mais graves da doença. Inicialmente, a perda de visão ocorre na periferia e pode progredir para perda da visão central. Alguns dos sintomas que podem aparecer são:
- Perda de campo visual
- Perda da sensibilidade ao contraste
- Dificuldade para distinguir cores
- Embaçamento visual
- Piora da acuidade visual
Diagnóstico
O diagnóstico do glaucoma é feito pelo oftalmologista após avaliação das estruturas oculares e dos sintomas visuais apresentados pelo paciente.
- Avaliação da Pressão intraocular
- Avaliação do ângulo da câmara anterior através da gonioscopia
- Avaliação de sinais de dano glaucomatoso ao Disco óptico
- Avaliação funcional
Testes eletrofisiológicos no glaucoma
Os testes eletrofisiológicos têm importante papel na avaliação funcional do nervo óptico e das células ganglionares da retina e podem preceder as alterações anatômicas, possibilitando a detecção precoce dos danos iniciais do glaucoma. Os testes eletrofisiológicos mais indicados para o glaucoma são:
- Potencial Visual Evocado por Padrões Reversos (PVEp): Teste que avalia o funcionamento da via visual (máculo-occipital).
- Potencial Visual Evocado por Flashes de Luz (PVEf): Teste que avalia o processamento luminoso, indicado em perdas visuais graves.
- Eletrorretinografia por padrões reversos (PERG): Avaliação funcional das camadas retinianas internas, principalmente a camada de células ganglionares da mácula.
- Resposta Fotópica Negativa: Avaliação funcional das células ganglionares da retina difusa.
Tratamento
O principal objetivo do tratamento é inibir a progressão da doença e consequentemente, preservar a visão do paciente. A escolha do método e acompanhamento é feito pelo oftalmologista, em especial, o glaucomatólogo (especialista em glaucoma). O tratamento é feito com o controle da pressão intraocular através de medicação tópica, laser ou cirurgia. Comumente o tratamento inicia-se com o uso de colírios antiglaucomatoso e pode-se lançar mão do tratamento adjuvante de laser para trabeculoplastia, procedimento que se demonstrou tão efetivo quanto a terapia medicamentosa para o tratamento inicial do paciente com glaucoma primário de ângulo aberto, se houver falha dessas medidas iniciais, o tratamento cirúrgico é indicado. A escolha do colírio e o ajuste da dosagem é mediada pela análise de diversos fatores como mecanismo de ação, custo e efeitos adversos.
A trabeculectomia é o método cirúrgico mais comumente realizado e consiste na retirada de uma pequena porção da malha trabecular e/ou do tecido córneo-escleral aumentando a área de passagem do humor aquoso. Outros tipos de intervenções cirúrgicas são as cirurgias não penetrantes, procedimentos ciclodestrutivos e implantes de drenagem.
Outros tipos de glaucoma
Glaucoma de pressão normal
O glaucoma de pressão normal é uma forma de glaucoma de ângulo aberto sendo uma neuropatia óptica progressiva com pressão dentro da faixa de normalidade. A causa não é bem definida e acredita-se que fatores externos como desregulação vascular, hipotensão, anormalidades da lâmina crivosa podem ter um papel na fisiopatogênese, e dessa forma acredita-se que o controle da pressão sanguínea e da perfusão do nervo óptico associado possam estar relacionados ao controle da progressão da neuropatia óptica nestes pacientes. Apesar da PIO não estar elevada nesses pacientes seu controle através de medicamentos ou cirurgias ainda são a forma de tratamento do glaucoma de pressão normal.
Fatores de risco descritos são a etnia e alguns estudos mostram associação com demência. Não foram vistas até o momento evidência de história familiar como fator de risco.
Glaucoma primário de ângulo fechado
O glaucoma primário de ângulo fechado é a principal causa de cegueira no mundo. Caracterizado pela obstrução do ângulo iridocorneano por uma alteração anatômica das estruturas oculares. O mecanismo mais comum é causado pela resistência ao fluxo do humor aquoso pelas estruturas da câmara posterior do olho resultando no fechamento do ângulo por um bloqueio pupilar.
Os principais fatores de risco: história familiar, etnia, hipermetropia, idade avançada, sexo feminino, comprimento axial, câmara anterior rasa, cristalino espesso.
Alguns pacientes podem apresentar dor e perda visual súbita pelo aumento expressivo da pressão intraocular e podem referir episódios prévios semelhantes.

Figura 2. Exemplos de Tomografia de Coerência Óptica de glaucoma com ângulo aberto e ângulo fechado. Fonte: Weinreb RN, Aung T, Medeiros FA. The pathophysiology and treatment of glaucoma: a review. JAMA. 2014 May 14;311(18):1901-11.
Glaucoma secundário
Os glaucomas secundários resultam de alterações patológicas que elevam a pressão intraocular (PIO) devido à produção anormal ou à redução no escoamento do humor aquoso. Entre os subtipos estão o glaucoma pseudoesfoliativo, causado pelo acúmulo de proteínas na câmara anterior, frequentemente associado a mutações genéticas e a doenças como Parkinson e Alzheimer; o glaucoma neovascular, ligado à isquemia retiniana e caracterizado pela proliferação de vasos sanguíneos que obstruem o ângulo iridocorneano, sendo o diabetes um fator de risco; o glaucoma induzido por esteróides, que ocorre em pacientes sob tratamento prolongado com esses medicamentos, provocando alterações na malha trabecular e aumentando a resistência ao fluxo aquoso; e o glaucoma pigmentar, decorrente da dispersão de melanina da íris para a malha trabecular, bloqueando o escoamento. Outros tipos incluem glaucomas associados a catarata, tumores oculares, uveítes, miopia ou de início precoce, como os glaucomas juvenis.
Glaucoma Congênito
O glaucoma congênito é uma doença rara que decorre de anormalidades na formação da malha trabecular e no ângulo da câmara anterior resultando em elevação da PIO em crianças com menos de 4 anos. Comumente se apresenta entre 3-9 meses de idade, mas sua forma mais severa é quando se apresenta ao nascimento. A pressão intraocular elevada é associada a apresentação da tríade: fotofobia, epifora e blefaroespasmo que acontece devido a rápida expansão dos olhos da criança causando o buftalmo, edema corneano e as estrias de Haab.
O único fator de risco estabelecido consanguinidade genética e a presença de irmãos afetados.
O diagnóstico diferencial dependerá dos sintomas apresentados, como exemplo, para os pacientes com opacificação corneana o diagnóstico diferencial deve incluir trauma ao nascimento, distrofias corneanas, ceratites, erros do metabolismo. Pacientes que se apresentam com aumento da córnea o principal diagnóstico diferencial deve ser megalocórnea. Para as alterações de nervo óptico os principais diagnósticos diferenciais devem sem Coloboma de disco, atrofia de nervo óptico, hipoplasia ou mal formação de nervo óptico. Pacientes com epífora, fotofobia e blefaroespasmo deve-se fazer o diagnóstico diferencial com obstrução do filme lacrimal, conjuntivite, ceratite, uveíte e abrasão corneana.
O tratamento do glaucoma congênito é cirúrgico goniotomia, trabeculotomia podendo ainda ser necessário a trabeculectomia ou ainda implante de drenagem e nos casos refratários cicloablação. A terapia medicamentosa é utilizada como tratamento adjunto ao tratamento cirúrgico.
Leituras recomendadas
Weinreb RN, Aung T, Medeiros FA. The pathophysiology and treatment of glaucoma: a review. JAMA. 2014;311(18):1901-1911.
Senger C, Moreto R, Watanabe SES, Matos AG, Paula JS. Electrophysiology in Glaucoma. J Glaucoma. 2020 Feb;29(2):147-153. doi:10.1097/IJG.0000000000001422.
Al-Nosairy KO, Hoffmann MB, Bach M. Non-invasive electrophysiology in glaucoma, structure and function-a review. Eye (Lond). 2021 Sep;35(9):2374-2385. doi:10.1038/s41433-021-01603-0.













