Síndrome de Usher
A síndrome de Usher (SU) é uma doença genética rara de herança autossômica recessiva, sendo esses genes envolvidos na síntese de proteínas que envolvem a audição, equilíbrio e a visão. A SU caracteriza-se pela tríade de perda auditiva neurossensorial, disfunção vestibular e perda progressiva da visão sendo classificada em 3 subtipos: I, II ou III os quais são definidos pela idade de início da doença, severidade, sinais e sintomas. Todos os 3 subtipos apresentam retinose pigmentar (RP) como responsável pela perda visual progressiva.
SU tipo I (USH1): perda auditiva congênita severa, RP pré puberal e ausência de função vestibular, subtipo mais severo.
SU tipo II (USH2): perda auditiva congênita moderada a severa, RP pós puberal e função vestibular normal, subtipo menos severo.
SU tipo II (USH3): perda auditiva progressiva, RP de início e severidade variável e disfunção vestibular variável. Data de início dos sintomas entre a secunda e quarta décadas de vida. Pacientes tendem a ter melhor visão no subtipo III.
Na população geral a incidência da SU é de 4 a 17 em cada 100 mil indivíduos. Na população de deficientes auditivos, a incidência é de 5 a 10% sendo a mais comum causa hereditária de surdez-cegueira.
A herança autossômica recessiva foi associada a mutações em pelo menos 13 genes e 16 loci, tais como:
SU I genes: CDH23, MYO7A, PCDH15, USH1C, CIB2 and USH1G
SU II genes: USH2A, GPR8, and DFNB31.
SU III genes: CLRN1 and PDZD7
SU I Loci: USH1B, USH1C, USH1D, USH1E, USH1F, USH1G, USH1H, USH1J, USH1K
SU II Loci: USH2A, USH2C, USH2D
SU III Loci: USH3A
A deficiência vestibular e auditiva se deve a anormalidades ciliares da orelha interna sendo assim classificada como perda auditiva neurossensorial.
A perda visual decorrente da RP decorre por provável alteração na interface dos segmentos internos e externos dos fotorreceptores (FR) os quais são conectados por cílios formando um complexo membranoso periciliar (CMP), responsável por controlar o transporte para o segmento externo dos FR atuando como barreira de transporte. Tem-se demonstrado genes que interferem no CMP, e ainda outros genes que envolvem indiretamente o epitélio pigmentar da retina
A SU é a síndrome mais comum associada a RP e é a causa mais prevalente da associação de cegueira e surdez em adultos. A retinose pigmentária é uma distrofia retiniana que causa dificuldade para enxergar em ambientes escuros e perda de campo visual devido a perda de fotorreceptores (bastonetes e cones).
Figura 1. Exemplo de imagens da retina (a. retinografia; b. autofuorescência; c. tomografia de coerência óptica). Fonte: Toms M, Pagarkar W, Moosajee M. Usher syndrome: clinical features, molecular genetics and advancing therapeutics. Ther Adv Ophthalmol. 2020 Sep 17;12:2515841420952194.
Sinais e sintomas
Em todos os tipos da síndrome de Usher a presença da retinose pigmentária e surdez congênita são marcantes. Devido a distrofia retiniana os sintomas oculares a serem manifestados são:
- O principal sintoma é a dificuldade para enxergar a noite ou em ambientes escuros, conhecido como nictalopia
- Perda de campo visual
- Perda leve a moderada da acuidade visual
Com relação aos sintomas sistêmicos, o principal achado é a dificuldade auditiva parcial ou perda total da audição manifestada na primeira infância e em alguns tipos da síndrome os portadores podem apresentar perda de equilíbrio e déficit cognitivo.
- USH1
Os indivíduos nascem com profunda perda auditiva e a perda visual se apresenta na primeira década de vida. Devido a ausência de função vestibular esses pacientes demonstram severo desequilíbrio e a fala mais lenta. - USH2
Os indivíduos nascem com moderada a severa perda auditiva que tende a não progredir ao longo do tempo. Não se observa alteração do equilíbrio e a perda visual nesses pacientes se apresenta na segunda década de vida. Em alguns casos pode-se função visual preservada na terceira a quarta década de vida. É o subtipo mais prevalente, representando aproximadamente 2/3 dos indivíduos com SU. - USH3
Os indivíduos portadores do tipo III apresentam perda neurossensorial auditiva progressiva comumente no final da primeira década de vida podendo variar da infância até 35 anos. A RP costuma apresentar-se na segunda década e disfunção vestibular é presente em aproximadamente metade dos pacientes. É o subtipo menos prevalente da SU.
Diagnóstico
O diagnóstico é feito após avaliação oftalmológica, genética, auditiva e clínica para identificação de distúrbio mental. A avaliação oftalmológica inclui avaliação do fundo de olho pelo oftalmologista, análise do campo visual e principalmente o teste eletrorretinográfico para avaliar a função retiniana e diagnosticar a retinose pigmentária.
O aspecto fundoscópico inclui achados típicos da retinose pigmentária: vasos afinados, palidez de papila, áreas de mobilização de pigmento/ espículas ósseas. Outros achados menos comuns são: edema macular cistóide, drusa de nervo óptico e catarata subcapsular.
A avaliação oftalmológica e auditiva dos irmãos dos portadores da síndrome de Usher deve ser realizada para permitir o diagnóstico precoce.
Doenças que manifestem sintomas oculares e auditivos (conhecidas como síndromes oculo-acústicas) devem ser considerados como diagnóstico diferencial da síndrome de Usher, tais como: perda auditiva não sindrômica (NSHL), rubéola, mutações no DNA mitocondrial como síndrome de Kearns-Sayre, diabetes com hereditariedade materna e surdez (MIDD), doença de Refsum, sd de Alström (forma moderada), sd. de Alport, sd Cockayne, Ataxia de Friedreich, sd de Hurler, sd de Bardt-Biedl.
Testes eletrofisiológicos na síndrome de Usher
Como a retinose pigmentária está associada a síndrome de Usher o teste mais indicado para diagnóstico e acompanhamento é o eletrorretinograma de campo total, que avalia a função retiniana difusa, incluindo a função dos fotorreceptores (bastonetes e cones), principais células afetadas nesta distrofia retiniana.
Nas fases iniciais, as primeiras células afetadas são os bastonetes, por isso o principal sintoma percebido é a dificuldade para enxergar a noite ou em ambientes com pouca luz, e em seguida é observada redução da função dos cones. Com o avanço da doença e perda das células fotorreceptoras, respostas não detectáveis dos bastonetes e cones no ERG são comumente encontradas.
Tratamento
Não existe tratamento para a síndrome de Usher. O diagnóstico precoce e o acompanhamento multidisciplinar auxiliam na orientação e planejamento familiar a fim de proporcionar adaptações no ambiente familiar, escolar e social dos portadores de síndrome de Usher. O uso de implantes cocleares ou aparelhos auditivos podem auxiliar portadores da síndrome com déficit auditivo e a Língua Brasileira de sinais (LIBRAS) é uma excelente alternativa para inclusão social e pode ser ensinada desde cedo as crianças.
O tratamento dos sintomas visuais utiliza auxílios ópticos e o desenvolvimento da terapia genética pode significar um futuro promissor utilizando alguns genes envolvidos na SU como alvo. No momento um grupo estuda uma injeção intravítrea de oligonucleotídeo (ASO) presente no exon 13 do gene USH2A, dessa forma somente os pacientes que possuem essa mutação patogênica no exon 13 podem participar da pesquisa, fica assim claro a importância do estudo genético para que esses indivíduos possam ser incluídos em futuras pesquisas. Outros vários suplementos já foram estudados, mas não há comprovação científica de benefício como a vitamina A, DHA e luteína.
Leitura sugerida
Delmaghani S, El-Amraoui A. The genetic and phenotypic landscapes of Usher syndrome: from disease mechanisms to a new classification. Hum Genet. 2022 Apr;141(3-4):709-735. doi: 10.1007/s00439-022-02448-7. Epub 2022 Mar 30. PMID: 35353227; PMCID: PMC9034986.
Nisenbaum E, Thielhelm TP, Nourbakhsh A, Yan D, Blanton SH, Shu Y, Koehler KR, El-Amraoui A, Chen Z, Lam BL, Liu X. Review of Genotype-Phenotype Correlations in Usher Syndrome. Ear Hear. 2022 Jan/Feb;43(1):1-8. doi: 10.1097/AUD.0000000000001066. PMID: 34039936; PMCID: PMC8613301.
Stingl K, Kurtenbach A, Hahn G, Kernstock C, Hipp S, Zobor D, Kohl S, Bonnet C, Mohand-Saïd S, Audo I, Fakin A, Hawlina M, Testa F, Simonelli F, Petit C, Sahel JA, Zrenner E. Full-field electroretinography, visual acuity and visual fields in Usher syndrome: a multicentre European study. Doc Ophthalmol. 2019 Oct;139(2):151-160. doi: 10.1007/s10633-019-09704-8. Epub 2019 Jul 2. PMID: 31267413.
Mendieta L, Berezovsky A, Salomão SR, Sacai PY, Pereira JM, Fantini SC. Acuidade visual e eletrorretinografia de campo total em pacientes com síndrome de Usher [Visual acuity and full-field electroretinography in patients with Usher's syndrome]. Arq Bras Oftalmol. 2005 Mar-Apr;68(2):171-6. Portuguese. doi: 10.1590/s0004-27492005000200004. Epub 2005 May 18. PMID: 15905936.