Doença de Stargardt
A doença de Stargardt é a distrofia macular de herança recessiva mais comum na infância, e deve-se a mutação do gene ABCA4 que codifica uma proteína de transporte da retina gerando um acúmulo de subprodutos decorrentes do ciclo visual e consequentemente disfunção e perda de fotorreceptores.
Esta doença representa aproximadamente 7% de todas as distrofias retinianas. Tem prevalência de 1 em cada 10.000 indivíduos.e acomete igualmente ambos os sexos, sem predileção de raças. Os pacientes apresentam perda da visão central progressiva e em ambos os olhos e podem apresentar outros sintomas como discromatopsia (alteração da visão de cores) e escotoma central.
A doença de Stargardt tem causa genética e hereditária, geralmente por herança autossômica recessiva (ambos os pais precisam ser portadores do gene alterado para que o filho possa ter a doença) no gene ABCA4 na sua forma típica. No entanto a transmissão autossômica dominante também é possível na mutação heterozigótica do gene PROM1.
Distrofias maculares tipo Stargardt, podem ter envolvimento de mutações dominantes no gene ELOVL4
As áreas da retina mais acometidas são a área macular (região mais nobre, responsável pela visão de detalhes) e o epitélio pigmentado da retina.
Figura 1. Exemplo de retinografia (imagem do fundo de olho) e autofluorescência de um indivíduo com Doença de Stargardt. Fonte: Tanna P, Strauss RW, Fujinami K, Michaelides M. Stargardt disease: clinical features, molecular genetics, animal models and therapeutic options. Br J Ophthalmol. 2017
Fundus Flavimaculatus:
Fundus Flavimaculatus e Stargardt são doenças geneticamente ligadas, sendo consenso que são formas de apresentação da mesma doença.
Pacientes com fundus Flavimaculatus apresentam início mais tardio dos sintomas e mais lenta deterioração visual, sendo assim uma forma mais leve da doença.
No fundus Flavimaculatus há mais amplo acometimento retiniano, flecks mais difusos que podem se extender do polo posterior até a periferia mas há menor acometimento macular e dessa forma melhor prognóstico visual.
Sintomas
O paciente pode apresentar-se assintomático mas a grande maioria apresenta sintomas bilaterais e simétricos.
Os sintomas costumam se manifestar na infância, adolescência ou início da vida adulta, principalmente entre 7 e 12 anos, mas pode ter aparecimento mais tardio, no final da fase adulta. O início tardio dos sintomas geralmente está associado a um melhor prognóstico visual. O principal sintoma percebido é a perda da visão central ou visão de detalhes. Outros sintomas percebidos pelos indivíduos com a doença de Stargardt são:
- Dificuldade de leitura, para longe ou perto
- Escotomas centrais
- Maior sensibilidade a luz (fotofobia)
- Alteração da visão de cores (leve a moderada)
- Dificuldade de adaptação em ambientes com diferentes luminosidades (escuro para claro e claro para escuro)
A detecção e distinção das cores é muito pessoal e por muitas vezes o indivíduo pode não notar a alteração cromática (alteração da visão de cores). Desta forma, a avaliação com o oftalmologista é necessária para identificar possíveis alterações por meio de testes específicos, como o teste de cores.
Depoimentos
“Notei que meu filho aos 6 anos de idade se aproximava muito do caderno e com 7 anos de idade ele se queixava de não identificar objetos e letras a distância. Como eu e minha esposa temos miopia achávamos que resolveria com os óculos. Mas o oftalmologista notou alteração na retina durante a avaliação de fundo de olho. Foi confirmado o diagnóstico de doença de Stargardt e hoje faz acompanhamento com especialista em retina.” - pai de portador de Doença de Stargardt de 8 anos
Diagnóstico
O diagnóstico é feito pelo oftalmologista a partir da queixa visual, aspecto do fundo de olho e pelos exames oftalmológicos complementares, como o mapeamento de retina, retinografia, angiofluoresceinografia (AGF), autofluorescência, tomografia de coerência óptica (OCT), Campo Visual, eletrorretinografia de campo total, ERG multifocal (ERG mf) e o teste genético. Cerca de um quarto dos portadores da Doença de Stargardt com início na infância não apresenta lesões na retina nos exames de fundoscopia, por isso é importante a avaliação multimodal, com múltiplos exames, incluindo as avaliações funcionais eletrofisiológicas para detecção precoce da doença.
Existem múltiplas manifestações da doença, resultando em apresentações clínicas, progressão e achados eletrofisiológicos variáveis. Nas fases iniciais, o aspecto do fundo de olho pode ser normal ou apresentar discreta perda do brilho macular. Com o avanço da doença, podem ser observadas alterações anatômicas como lesões branco-amarelas no epitélio pigmentado da retina na região do polo posterior, que são denominadas, flecks.
Entre os diagnósticos diferenciais destacamos distrofia de cones-bastonetes, toxicidade por cloroquina, distrofia coroidal areolar central, fundus albipunctactus, retinitis punctata albescens, DMRI, buraco macular crônico e lipofuscinose neuronal.
Testes Eletrofisiológicos na Doença de Stargardt
Os testes eletrofisiológicos avaliam a parte funcional e o ERG de campo total é o exame diagnóstico essencial.
O Eletrorretinograma multifocal avalia o funcionamento das células da mácula, região afetada pela doença e auxilia no mapeamento da lesão. O resultado apresenta redução difusa da resposta elétrica, com intensidade variável dependendo do estágio da doença.
O Eletrorretinograma de campo total auxilia a descartar outras doenças da retina, como a distrofia de cone-bastonete, pois mede a função dos fotorreceptores, bastonetes e cones, que não apresenta alteração nas fases iniciais da doença de Stargardt. Com a evolução do quadro e piora do acometimento da retina, a doença se estende além da mácula e afeta as células mais periféricas e com isso a resposta do ERG de campo total diminui. Esse é o exame de escolha para diagnóstico diferencial e acompanhamento da evolução do quadro nas fases mais tardias.
Eletrorretinografia de Campo Total
Figura 2. Exemplos dos achados de fundo de olho e os resultados do Eletrorretinografia de Campo Total
Tratamento
Não há tratamento estabelecido para a Doença de Stargardt.
Há medicações em estudos em fase 1,2 e 3 com alvo em redução na formação da lipofucscina e também há estudos utilizando a terapia gênica, com enfoque no principal gene envolvido, o ABCA4, a fim de produzir um gene substituto completo e funcional.
Óculos com filtro colorido podem auxiliar na melhora do conforto e na visão. Uso de vitamina A é contraindicado em Doença de Stargardt, porque os pacientes têm dificuldade de metaboliza-la da maneira correta. Recomenda-se manter acompanhamento regular com oftalmologista para evitar outras doenças oculares e reabilitação visual para minimizar a dificuldade apresentada.
Leitura Sugerida
Sajovic J, Meglič A, Hawlina M, Fakin A. Electroretinography as a Biomarker to Monitor the Progression of Stargardt Disease. Int J Mol Sci. 2022 Dec 18;23(24):16161. doi: 10.3390/ijms232416161. PMID: 36555803; PMCID: PMC9783580.
Sajovic J, Meglič A, Fakin A, Brecelj J, Šuštar Habjan M, Hawlina M, Jarc Vidmar M. Natural History of Stargardt Disease: The Longest Follow-Up Cohort Study. Genes (Basel). 2023 Jul 2;14(7):1394. doi: 10.3390/genes14071394. PMID: 37510299; PMCID: PMC10379489.