Coriorretinopatia de Birdshot
A coriorretinopatia de Birdshot é uma uveíte posterior, quadro inflamatório que atinge a coróide (membrana que recobre a parte interna dos olhos), crônica e bilateral. É uma doença rara que acomete ambos os sexos mas preferencialmente mulheres caucasianas entre 40-60 anos. Embora não seja comum, alguns casos já foram descritos em crianças e adolescentes.
O termo “Birdshot” traduzido para o português significa “tiro ao pássaro”. Ele faz referência às marcas deixadas pela dispersão das balas de chumbo da espingarda usada em caças de aves que se assemelham ao aspecto das lesões encontradas na retina.
A etiologia ainda não é bem definida. Alguns estudos associam uma resposta imunomediada a alguns antígenos, como o antígeno S, através da molécula HLA-A29, devido ao grande número de casos com achado molecular positivo (80-98% dos pacientes). Outra teoria relaciona a ativação da resposta de linfócitos T a agentes infecciosos causando inflamação da coróide.
Figura 1. Exemplo de uma retinografia (imagem do fundo de olho) de um indivíduo com Coriorretinopatia de Birdshot. Fonte: Lee J, Smith WM, Goldstein DA. Birdshot chorioretinopathy presenting in a teenager. Am J Ophthalmol Case Rep. 2020 Jul 3;19:100807.
Sinais e sintomas
A doença acomete os dois olhos, então os sintomas percebidos geralmente são simétricos. Os sintomas costumam anteceder os achados fundoscópicos, podendo demorar anos para apresentar evidências retinianas. Os principais sintomas relatados são: piora da acuidade visual, moscas volantes, nictalopia, dificuldade para distinguir cores (discromatopsia), glare e fotopsia. Também há relatos de perda de sensibilidade ao contraste, metamorfopsia e perda de campo visual.
Embora a doença seja primariamente ocular, são reportadas algumas alterações sistêmicas como hipertensão arterial sistêmica, neoplasias de pele, hipoacusia, vitiligo e transtornos do humor.
Diagnóstico
Os critérios para diagnóstico da coriorretinopatia de Birdshot são baseados em achados clínicos. Os achados requeridos para o diagnóstico incluem: doença acometendo os dois olhos, três ou mais lesões peripapilares com aspecto de “tiro ao pássaro”, leve inflamação de câmara anterior e leve a moderada inflamação vítrea. As lesões características são multifocais, hipopigmentadas (em tom creme ou esbranquiçada) subretinianas de formato geralmente ovalado ou arredondado, com bordas mal definidas.
Demais achados encontrados: HLA-A29 positivo, vasculite retiniana e edema macular cistóide.
Com a evolução da doença, complicações que ameaçam a acuidade visual podem aparecer, como: edema macular (mais comum), membrana neovascular subretiniana, edema de disco óptico (na fase inicial da doença), atrofia óptica (na fase tardia da doença), hemorragia vítrea, entre outros.
Exames de imagem da retina e para avaliação funcional da visão demonstram aspectos característicos na coriorretinopatia de Birdshot. Veja a seguir os principais achados nos exames oftalmológicos:
- Retinografia: lesões peripapilares, predominantemente nasal e inferior ao Disco Óptico, as quais podem ser sutis e pouco evidentes.
- Autofluorescência: áreas hipoautofluorescentes demonstrando a atrofia do EPR em estágio tardio da doença.
- Angiofluoresceinografia (AGF): na AGF pode ser observado vazamento dos vasos retinianos e hiperfluorescência progressiva do Disco Óptico. As lesões em atividade apresentam-se inicialmente hipofluorescentes com impregnação de contraste em fase tardia. Também podem ser observados neovascularização da coróide ou retina e edema macular cistóide. É um exame útil para monitorar progressão da doença.
- Angiografia com Indocianina Verde (ICG): como a doença acomete primariamente a coróide , é o melhor exame para avaliação das lesões e frequentemente revela mais lesões ativas do que as observadas na fundoscopia e na AGF, demonstrando áreas bem delimitadas hipofluorescentes em fase precoce e tardia.
- Angiotomografia de coerência óptica (OCT-A): diminuição do fluxo coroidiano nas áreas de alteração do epitélio pigmentado da retina, afinamento da retina, vasos telangectásicos e aumento do espaço intercapilar.
- Tomografia de Coerência Óptica (OCT): diminuição da refletividade do segmento externo dos fotorreceptores e edema macular.
- Campo visual: Os achados do campo visual são variáveis, incluindo constrição, diminuição generalizada da sensibilidade, defeito arqueado, escotoma central e aumento da mancha cega.
Os principais diagnósticos diferenciais são: tuberculose, sífilis e histoplasmose ocular (causas infecciosas) e sarcoidose, Síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada, Oftalmia simpática, epiteliopatia pigmentar placoide multifocal posterior aguda (EPPMPA), Síndrome dos múltiplos pontos brancos evanescentes (MEWDS), Coroidite multifocal e panuveíte multifocal e Coroidopatia interna pontilhada (PIC) que são causas não infecciosas.
Testes eletrofisiológicos na Coriorretinopatia de Birdshot
Os indivíduos portadores da Coriorretinopatia de Birdshot apresentam função retiniana reduzida nos exames eletrorretinográficos, como o eletrorretinograma Multifocal (avaliação da função retiniana central/ macular) e o eletrorretinograma de campo total (avaliação da função retiniana difusa).
O eletrorretinograma Multifocal demonstra maior sensibilidade para monitorar a função retiniana de portadores da coriorretinopatia de Birdshot. Os principais achados são redução da amplitude N1P1 e atraso no tempo de P1.
O eletrorretinograma de campo total pode mostrar respostas supranormais no início do quadro devido a resposta inflamatória da retina. Com o avanço da doença, a resposta da camada interna da retina apresenta redução da amplitude, demonstrado pela redução da amplitude da onda-b da resposta escotópica combinada, podendo caracterizar ERG negativo (b/a abaixo de 1,00). Com relação aos fotorreceptores, os bastonetes são primariamente atingidos e posteriormente os cones apresentam disfunção, com redução funcional progressiva.
Tratamento
O tratamento da coriorretinopatia de birdshot consiste no controle da reação inflamatória com uso de corticosteroides orais nas fases agudas e uso de imunomoduladores cronicamente.
Uma das complicações mais comuns é a formação de edema macular que leva a piora da acuidade visual, podendo ser necessário o uso de corticóide intravítreo.
Podem ocorrer o surgimento de catarata e glaucoma necessitando de tratamento específicos.
Leitura sugerida
Mailhac A, Labarere J, Aptel F, Berthemy S, Bouillet L, Chiquet C. Five-Year Trends in Multifocal Electroretinogram for Patients With Birdshot Chorioretinopathy. Am J Ophthalmol. 2019 Apr;200:138-149. doi: 10.1016/j.ajo.2018.11.022. Epub 2018 Dec 15. PMID: 30557530.Mailhac A, Labarere J, Aptel F, Berthemy S, Bouillet L, Chiquet C. Five-Year Trends in Multifocal Electroretinogram for Patients With Birdshot Chorioretinopathy. Am J Ophthalmol. 2019 Apr;200:138-149. doi: 10.1016/j.ajo.2018.11.022. Epub 2018 Dec 15. PMID: 30557530.
Knickelbein JE, Jeffrey BG, Wei MM, Cheng SK, Kesav N, Vitale S, Sen HN. Reproducibility of Full-field Electroretinogram Measurements in Birdshot Chorioretinopathy Patients: An Intra- and Inter-visit Analysis. Ocul Immunol Inflamm. 2021 Jul 4;29(5):848-853. doi: 10.1080/09273948.2019.1697824. Epub 2020 Jan 4. PMID: 31902265; PMCID: PMC7334071.